"Ninguém sabe muito bem como começou. Um amigo trouxe outro amigo, que trouxe uma namorada, que trouxe um colega de trabalho, que trouxe uma irmã, que trouxe uma vizinha, que trouxe um marido. E, de repente, aquele grupo mudou. E ninguém percebeu bem como aquilo aconteceu. Mas isso pouco importava. Um grupo de amigos é como um organismo vivo: nasce, cresce, desenvolve-se, aumenta de tamanho, diminui, reproduz-se. Tem vida própria. Um dia, eventualmente, este organismo até pode acabar por morrer, se aquele grupo de pessoas já não fizer sentido... enquanto grupo. Chateiam-se, irritam-se, desinteressam-se, desapontam-se, afastam-se. Mudam. Até que chegam à conclusão - uns mais cedo do que outros - de que já nada daquilo faz sentido. Aquela gente já não faz sentido na nossa vida. Por vezes os contactos são retomados um par de décadas depois - e o grupo ressuscita. Ou acaba por sobreviver um ou outro laço afectivo, que se mantém - e o grupo muda de forma. Até pode dar origem a outro grupo. Afinal, o «nada se cria, nada se perde, tudo se transforma» também se aplica às relações humanas. O Lavoisier é que a sabia. A partir de um dado momento, sentimos que precisamos daquelas pessoas. Que temos saudades daquelas pessoas. Que temos vontade de partilhar coisas com aquelas pessoas. mesmo que o nosso elo de ligação original não possa estar ali naquele dia. E sentimos que o que importa é o presente, ainda que o passado possa ter sido um pouco conturbado - enquanto não se faz o luto (e cada um sabe do seu), vão lá dizer à Leonor que tem de estar com o ex-marido e a nova mulher dele, cada vez que quiser estar com os amigos de sempre. estas coisas demoram o seu tempo, não acontecem de um dia para o outro. E até ao dia em que ela deixar de dizer «se ele for eu não vou, tenham paciência», é preciso gerir tudo com alguma delicadeza e jogo de cintura. Ou um par de tabefes, quando já for de mais. Em último caso, há mesmo quem não aguente e tenha de sair do grupo. Paciência. Se calhar talvez não pertencesse ali. O tempo se encarregará de esclarecer. Ninguém sabe ao certo quantas semanas, meses ou anos estas coisas demoram. Talvez mais tempo ainda do que aquele que passou para a Andreia deixar de ser a namorada do Miguel e passar a ser... a Andreia. Afinal, havia um espaço que importava conquistar, mas que acabou por lhe ser reconhecido. No fundo, as vontades, os desejos e anseios do grupo são mais importantes do que as vontades, desejos e anseios de cada elemento. O todo é maior do que a parte. E, desde que haja vontade e bom senso, o grupo acaba por absorver os ex-maridos, as ex-mulheres, as amigas que se enrolaram com os amigos e os amigos que deixaram de o ser e agora são novamente unha com carne. Com as devidas fronteiras - a amizade entre a namorada actual e a ex-namorada pode ser uma coisa muito estranha de assistir e gerir -, há espaço para todos. E uma noite, numa festa, num jantar, numa saída de copos, dão conta que estão todos debaixo do mesmo tecto. Os antigos, os novos, os que vieram por intermédio desta ou daquela pessoa... «Estes é que são os teus amigos de que costumas falar? Então conta-me lá, quem é quem.» «Ora bem, deixa cá ver se eu não em perco. Então... aquele é o Miguel, que foi meu colega na faculdade. Está a falar com a Leonor e a Andreia, a namorada dele, que é a melhor amiga da Rita, lá ao fundo. A Rita veio para o grupo há pouco tempo e começou a namorar com o Filipe, que não está cá hoje. O Pedro e o Zé são amigos de infância do Miguel. São aqueles que jogam á bola todas as terças-feiras. A Patrícia é a mulher do Zé e o Carlos  é o ex-marido da Leonor, que entretanto ficou nosso amigo. O Sérgio é irmão da Leonor e namora com a Sofia.» «A Sofia, a tua ex-mulher...» «Sim, essa.» "